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Retiscente

Crazy

Diz Montaigne que muitos elogiam apenas o que podem imitar, mas terríveis mesmo são os que criticam o que não conseguem entender… diz também que seu único desejo é que sejamos julgados cada um por si só e que não se conclua nada a respeito de ninguém partindo de exemplos comuns. Os loucos não entendem simplesmente porque não se comparam. Mas também não criticam principalmente porque é melhor ao menos “tentar” compreender antes. Os não-loucos criticam porque, na verdade, não sentem ou não querem sentir, não entendem ou não querem entender. Os loucos sentem(-se) diferentes.Então me diga: quem é diferente do louco? Se tudo o que se vê se mistura conosco? Se tudo que se sente se molda ao (no) que somos? E nada do que se vê é perfeitamente normal… e quem pode provar que a vida não é uma sucessão de loucuras sob diferentes pontos de vista? Se aceitarmos esta afirmativa, por quê então é tão difícil entender que cada pessoa é louca à sua maneira e medida?

Eu não sei entender quem é diferente do louco; eu sei que o louco é O diferente. É o que mistura mais, portanto, tem mais sabor; e é o que arrisca pitadas de tudo quanto os demais não engolem, pois na boca de um louco até o nada tem sabor de tudo. E tudo para um louco é questão de nada. Viver conforme seu critério (desde que haja critério!) não seria então digno de loucura? Erasmo traduziu loucura como energia criativa das relações humanas e ainda arriscou dizer que só os “normais” se suicidam por tédio, os loucos não (deve ser porque estão ocupados em ser loucos, enquanto que os não-loucos estão ocupados em entender os loucos) Na prática a crítica reflete a inveja por falta da capacidade de “imitação”… ou sabe-se lá, por falta de originalidade ou até critério. Prefiro falta de criatividade. Vocês que não são loucos, que se entendam.

Os não-loucos respeitam regras, os loucos as criam. Os não-loucos querem entender, os loucos entendem o querer. Os não-loucos não são normais, os loucos são normalíssimos. Normal é não cometer o erro comum de julgar o outro pelo que é. Para um louco, é normal achar que por ser comprometido com um modo de ser, não precisa obrigar ninguém a sê-lo. Um louco abriga e alimenta suas intensidades. Mais do que uma cópia de livros de auto-ajuda, o não-louco é a conseqüência inconseqüente da falta de originalidade, da coragem de enfrentar o mundo das idéias diferentes sem querer mudá-las, apenas acrescentar seu tempero e misturar-se ainda mais, como só estes verdadeiros artistas de/das idéias sabem fazê-lo. Não-loucos propagam o vício de reduzir às suas próprias dimensões tudo em que crêem.

Um louco normal aceita e concebe mil formas de vidas opostas e, ao contrário do não-louco comum, admite mais facilmente em nós a diferença do que a semelhança. Até porque somos todos (loucos?) feitos a imagem e semelhança do verbo “enlouque-sentir” e “enlouque-ser”, Amém. Quando eu enlouque-sou, tu enlouque-sentes – e tu enlouque-serás, quando eu enlouque-sentir.

Não é pura e simplesmente uma tradução comum do que tanto se propaga através de mídia (não-louca, mas sim-medíocre) especulativa, sensacionalista e tendenciosa. Corrupção da mente deveria ser crime . Se há caminhos curtos para se chegar a uma conclusão óbvia, por quê então não ensina-se a pensar mais do que a decorar? Monkey-see Monkey-do… tão conveniente!

Ser louco não é uma opção, é uma decisão. Decisão que (se) molda (a) quem somos (nos tornamos). Quer saber? Não-loucos andam se esparramando por aí, arrastando pensamentos que não se entende nem se sente, e quando um louco os encontram e questionam… é chamado de louco! Agradeço antecipadamente o elogio silencioso à minha loucura particular de quem sequer tem a loucura de enfrentar a louca realidade onde só os normais vegetam.

Tanto mais poderia ser dito! Quanto mais poderia ser feito! Quer saber, Erasmo? Quer que eu diga mesmo, Montaigne? É loucura demais para tanta normalidade. Simplesmente não dá para digerir em uma simples conversa. Deixe que eles tentem nos entender. Ou nos sentir. Talvez assim seja mais fácil … Ensinemos pelo exemplo de quem acredita em si mesmo.

Ponto e vírgula: Loucos são reticências…

Willy e Samelly Xavier (com um monte de ajuda do Montaigne e elogiando, por saber imitar, Rotterdam) – que também eram não-loucos)

 
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Publicado por em 4 novembro, 2007 em Cotidiano, Vida

 

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